Shoshin: surfando as ondas certas no mar da ignorância

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Nesta semana surgiu uma discussão curiosa num grupo de whatsapp quando alguém levantou a bola sobre a questão de se pagar R$ 700 mil para ser sócio de um clube de surf localizado na marginal do Rio Pinheiros, na cidade de São
Paulo.

Mais curioso ainda foi perceber que os que discutiam não pegavam onda, mas tinham opiniões fortes sobre a tal “elite babaca” que quer um clubinho para chamar de seu e não correr o risco de se misturar com a “ralé” na praia.

Como é comum nesses grupos e pela internet afora, para marcarem território as pessoas adoram jogar polêmicas no ventilador, mesmo que não tenham nenhuma base para sustentá-las – a não ser, é claro, as premissas que há dentro das cabeças delas.

E, via de regra, as premissas estão erradas porque costumamos olhar as coisas como nó somos e não como elas são.

Babacas há sim, em todos os níveis e em todos os cantos (e ali também não será diferente), mas se isolar da “ralé” certamente está há anos-luz de distância do porquê de querer participar de um negócio desses.

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(Raro registro com uma das primeiras câmeras descartáveis à prova d’água, pegando onda de boardboarding no início dos anos 90 no meio de Grumari (RJ))

Eu, por exemplo, pego onda desde criança.

Já surfei em ondas minúsculas, pequenas, médias e grandes, em todas as condições e combinações possíveis (exceto neve) de horário, tempo, clima, vento e mar.

E sabe qual é o maior desejo de um surfista amador – aquele que não consegue estar na praia todos os dias, nem na hora em que ele “precisa” estar?

Que as ondas estejam perfeitas justamente naquela janela de tempo em que ele poderá cair na água.

Afinal, como o mar vive em movimento e as condições climáticas mudam o tempo todo, o fato das ondas estarem perfeitas ou muito boas é sempre uma loteria.

Mas uma coisa é certa, principalmente nas praias com fundo de areia: elas NUNCA serão iguais.

E, vai por mim, que comecei a pegar onda em Grumari (RJ) no início da década de 80, quando raros eram os carros que se dispunham a ver o que havia logo depois da Prainha (Meca do surf carioca), não há nada mais frustrante do que chegar na praia empolgadíssimo e o mar estar sem ondas ou com as condições bem ruins.

Por isso que uma piscina com ondas de qualidade, ainda mais numa cidade como São Paulo, onde se requer uma boa dose de mão de obra para conseguir se chegar até a praia mais próxima, é vista com bons olhos por qualquer um que já tenha subido numa prancha.

Justamente porque numa piscina com ondas toda essa loteria de tempo/vento/maré é anulada e as ondas, que são geradas por uma máquina, são sempre iguais.

E, em geral, são boas.

Tanto faz se conseguir ir lá numa segunda-feira pela manhã cedo, na quinta-feira à tardinha ou no domingo na hora do almoço.

Ninguém na água vai virar para você e dizer que “mais cedo o mar estava lisinho” ou que “ontem as ondas estavam maiores e mais tubulares”.

Ou seja, zero surpresas, o que é muito bom por esse aspecto, mas que certamente nunca irá superar um ótimo dia de ondas na sua praia preferida.

Se é caro ou não, aí já é uma outra história, mas para quem tem (muita) grana e entrou de sócio ou conseguiu comprar um apartamento nesse condomínio (que também dá direito), sem dúvida é um bom negócio.

E, definitivamente, não tem nada a ver com “não se misturar com a ralé na praia”.

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– Conceitos e preconceitos, né?

Pois é.

Quanto mais ficamos velhos e experientes em determinados assuntos, mais tendemos a cair nessa vala comum da avaliação errônea das premissas, que tanto prejudicam as relações pessoais como também acabam por levar negócios à falência.

E isto acontece por uma razão muito simples: o nosso cérebro tende sempre a buscar padrões, seja para gastar menos energia quanto para nos proteger.

Quando aprendemos algo pela primeira vez, isto vira uma espécie de caixinha, que já ganha um nome e um rótulo dentro da nossa cabeça.

Com o passar do tempo e algumas experiências que confirmem de forma preliminar uma fração ou o todo do que haja ali dentro, ela se transformará numa crença – e esta crença passará a moldar as nossas atitudes e comportamentos.

A caixinha, então, se fechará e tudo o que passará a orbitar à sua volta será relacionado à validação do que está ali dentro.

Por isso que vemos as coisas como nós somos e não como elas são, como dizia lá no início.

A solução para isso, então, não é abrir essa caixa, mas sim quebrá-la de uma vez por todas.

O zen-budismo, inclusive, tem um conceito lindo para isso chamado Shoshin, que significa “mente de principiante”.

Isto está relacionado à ideia de abandonar os conceitos e preconceitos que acumulamos ao longo da vida, adotando uma postura aberta para reavaliar ANTES de opinar sobre qualquer assunto – principalmente os que já “cansamos” de ver.

Afinal, quando somos principiantes em algo, a nossa mente está vazia – como uma sala em uma casa recém construída, esperando para receber os primeiros inputs.

Estamos lá dispostos a aprender considerando todas as informações tal e qual como se voltássemos a ser crianças descobrindo algo pela primeira vez.

Não há interferências, apenas absorção.

Não há convicções.

É como se fossemos “idiotas”, ainda que sejamos os maiores especialistas em determinado assunto.

Porque só quem adota essa postura de “idiota” consegue aprender de verdade, absorvendo o que está ao redor para questionar os velhos assuntos que já domina, fazendo assim novas correlações para criar soluções criativas e diferentes.

Ao contrário do especialista sabichão e dono da verdade, com as suas caixinhas fechadas, que acha que está aprendendo, mas na verdade está apenas absorvendo o que é necessário para validar o que já sabe e ignorar o que poderá abalar alguma convicção.

Afinal, pensar dá trabalho – e isso, como os neurocientistas já explicaram, não tem nada a ver com a inteligência, mas sim com o cérebro que quer apenas poupar esforços buscando padrões.

Mas será só desta forma que, independente da idade e do que já sabemos a respeito, é que passaremos a enxergar as coisas como elas de fato são.

E, então, conseguiremos fazer a diferença, surfando e aproveitando melhor as ondas que realmente importam.

Obs. Foto da capa por Lechat Valentin

Português que nasceu em Moçambique, foi criado no Brasil, empreendeu em Portugal e agora está de volta ao Brasil para continuar ajudando as pessoas a transformarem o conhecimento em um negócio/produto de valor.

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