As lições do palhaço e do improviso para uma vida mais criativa e produtiva

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Estava brincando com a minha filha e, ao revirar uma gaveta cheia de pequenas peças, achei um nariz vermelho de palhaço.

Parei por um instante tentando me lembrar se ele era uma recordação de alguma festinha dela ou se o havia ganho no curso de improviso do genial Márcio Ballas.

E, antes que eu chegasse a alguma conclusão, minha filha pegou-o da minha mão e saiu correndo.

Abri um largo sorriso.

Nesses tempos desafiadores, onde muitos ainda estão com grande dificuldade em aceitar e se adaptar ao que está acontecendo, compartilho aqui o que aprendi com este gênio do humor sobre o improviso.

Afinal, se isto mudou para sempre a minha forma de viver e enxergar o mundo, também poderá servir como uma luz para iluminar o caminho dos que também procuram ter uma vida mais criativa e produtiva.

Vamos lá?

Diga: SIM!

Sarah Slater

Primeiramente, vamos subir no palco do teatro – e prometo que já iremos descer, pois talvez esta seja a primeira vez e você ainda se sinta desconfortável.

O improviso é uma técnica de teatro bem antiga e que, ao contrário do que possa parecer, não tem nada a ver com a falta de preparação – muito pelo contrário!

Para improvisar bem a pessoa tem que estar bem preparada, sendo que a base de tudo é o seu repertório.

Parece confuso?

Calma que você já vai entender.

De uma forma em geral, o modo como vivemos – as coisas que fazemos, aprendemos, vemos, lemos, experimentamos, etc – tudo isso faz parte do que chamamos de repertório, que é único e exclusivo de cada indivíduo.

E, quanto mais diferenciado forem as experiências que compõem o repertório, melhor para conectar ideias e criar soluções – inclusive aquelas piadas fantásticas.

Além disso, há um princípio fundamental (ou regra) e uma premissa importante.

O princípio tem a ver com a questão da aceitação, ou seja, o dizer SIM.

Aceitar o que vier seja lá o que for.

Ali ninguém irá te julgar pelo que você disser e, por mais absurdo que seja, a sequência do espetáculo depende e será feita em cima disso.

Logo, não há resposta certa e nem errada, há apenas uma coisa (projeto?) que se inicia, onde cada um é o responsável por fazê-lo seguir adiante.

Por exemplo, se alguém disser que “você é um médico descuidado que esqueceu um bisturi dentro da barriga da minha esposa”, você obrigatoriamente deverá incorporar isto e se sentir o próprio médico descuidado.

Dizer coisas do tipo: “ah, mas eu não sei nada de medicina”, ou então: “para de falar besteira porque eu não sou desatento”, ou ainda: “ei, mas você não é casado”, está proibido porque assim acabará a encenação.

Ou seja, você aceita e segue em frente.

Simples assim.

Já a premissa tem a ver com a escuta ativa, que é o saber ouvir.

Ninguém interrompe o outro e escuta atentamente a tudo o que está sendo dito, pois ali aparecerá algum elemento que servirá como gancho para a continuidade.

Pode ser apenas uma palavra ou então o sentido de tudo o que foi dito.

Por isso o saber ouvir é fundamental, pois é uma forma de deixar o seu cérebro atento para conectar as peças jogadas pelo outro com o seu repertório e assim criar a continuação.

E por que isso é importante?

Agora que entendemos que o SIM é a mola mestra que faz a roda do improviso girar em cima do repertório de cada um através da escuta ativa, já podemos descer do palco do teatro.

E, como a vida também não deixa de ser um grande palco, só que bem mais complexo, o que funciona num espetáculo também funciona no nosso dia a dia.

Entretanto, isto não quer dizer que a partir de agora deveremos passar a dizer sim para tudo o que aparecer na nossa frente – tal e qual o Jim Carrey no engraçado filme “Sim, Senhor”.

Assim como também isto não significa deixar de reclamar, como por exemplo, chegar no hotel para as férias de verão e o ar condicionado está quebrado.

Neste caso, você vai até a recepção e reclama, pede para eles arrumarem ou trocarem de quarto, e vida que segue.

Mas quando você vai dar uma palestra e, ao chegar ao local, o organizador te diz que o ar condicionado está quebrado?

Você cancela a palestra e vai embora?

Provavelmente não.

Percebeu a sutileza da diferença?

O ato de aceitar (e rápido) tira o foco de tudo o que não é necessário (mas é desejável) e o mantém afiado para que consiga fazer o que se propôs.

E como o SIM se aplica na prática?

O genial Márcio Ballas em cena

Para o grande mestre Márcio Ballas, mais do que uma técnica, um princípio ou ferramenta, este SIM do palhaço e do improviso é um olhar, um modo de ver a vida que modifica (para melhor) a nossa atuação no dia a dia.

E ele é composto por outros 3 SIMs, que são:

1- SIM para você

Tal e qual os artistas antes de entrarem no palco, você tem que se aceitar como está.

Saiu de casa aborrecido porque brigou com a família e irá apresentar o projeto da sua vida logo na primeira hora na empresa?

Está nervoso porque irá apresentar uma palestra?

O primeiro passo antes de entrar no palco, e entenda palco aqui como qualquer situação em que você esteja no foco, é ter essa clareza dos sentimentos e, ao invés de perder tempo brigando com eles, aceitá-los.

Sim, eu estou nervoso.

Sim, eu estou aborrecido.

Então beba uma água, dê uma volta ou faça um exercício de respiração para retomar o controle ou diminuir a tensão.

Conseguiu estabelecer a conexão consigo mesmo?

Então vamos para o segundo SIM.

2- SIM para o momento presente

Conecte-se com o momento presente, com o aqui e o agora, e aceite as pessoas e o ambiente em que você está inserido.

Se está chovendo, está chovendo e ponto, mas (salvo raras exceções) não estará chovendo dentro da sala de reuniões onde você irá fazer a apresentação.

Aliás, a grande sala que você iria utilizar para esta apresentação foi requisitada pelo presidente em cima da hora e você vai ter que usar uma bem menor.

Sim, é esta sala pequenina que irei utilizar. Vamos colocar mais cadeiras na frente. Meu espaço para falar ficará reduzido ao canto da sala. Não poderei andar para lá e para cá. O ar condicionado está funcionando. Estão chegando pessoas do rh, da controladoria e de vendas. Aliás, as vendas não estão bem e talvez os gerentes estejam mais estressados que o habitual.

Perceba que agora, após conseguir se conectar consigo mesmo, será menos difícil e mais rápido se conectar ao momento presente com o ambiente no qual está inserido.

Você saiu do foco e assim passará a ficar mais atento para perceber as oportunidades e contornar as adversidades dentro deste novo cenário.

E isto será fundamental para o último SIM.

3- SIM para o jogo

Você já se conectou consigo mesmo e com o momento/ambiente/outros, agora o palco é seu.

Seja na empresa, em casa ou na rua, por exemplo, um monte de acontecimentos/problemas sobre os quais você (não) tem controle ou responsabilidade começarão a ser jogados contra você.

E aí?

O que você irá fazer?

Irá fazer beicinho, fechar a cara, trancar-se no quarto e dizer que não quer mais jogar?

A má notícia é que, na maioria das vezes em que isso acontece, quanto mais você se recusa a resolvê-los ou quanto mais você tenta escapar, mais eles crescem e mais rápido te alcançam.

Moral da história

Com o olhar do SIM você passa a se perceber melhor, a perceber melhor o ambiente e faz a única coisa que está ao seu alcance em todo o cenário: agir.

Lembra que o improviso é um jogo de continuidade através da aceitação?

Você aceita E faz alguma coisa, o que é bem diferente de se conformar, pois quando você se conforma com algo significa que você colocou um ponto final e é o fim da história.

Aqui, não.

Você até pode se conformar que não é um cientista e que não irá descobrir a cura para o coronavírus, mas ao aceitar que ele está aí e que mudou quase tudo, você criará (se ainda não criou) urgentemente uma nova forma para viver e trabalhar neste novo cenário.

E, quanto mais rápido for essa aceitação, mais rápido você irá procurar criar as respostas dentro do que estiver ao seu alcance para resolver os problemas.

Um de cada vez.

Dia após dia.

Quer experimentar?

Bônus

Aqui vai um exemplo prático, com um grau de exposição máximo, sobre tudo o que falei até agora e que poderia ter sido um dos maiores vexames de toda a minha vida – mas não foi.

Tinha feito o ótimo curso de Criatividade do Murilo Gun e fui um dos selecionados para fazer uma palestra no encontro anual dos alunos em 2017.

Mais de 300 pessoas no auditório lotado, tudo correndo bem até que bati no controle do microfone e ele… parou.

Silêncio total.

Já tinha feito várias palestras e entrevistas ao longo da vida, e todas correram muito bem.

Nunca tinha passado por isso e sabe o que fiz?

SORRI. 🙂

E sabe por que?

Porque exatamente na véspera eu tinha feito o curso de Improviso do Márcio Ballas, onde além de tudo isto que já escrevi, ele contou os preparativos dele para o primeiro (e sensacional) TEDx que ele fez (clique aqui).

Coincidência?

Com o olhar do SIM recém adquirido, na primeira prova de fogo aceitei imediatamente o problema técnico que eu mesmo criei e falei no meio do palco a primeira coisa que me veio à cabeça para me conectar novamente, que foi:

Mas tudo bem, pois como eu fiz o curso do Ballas, estou tranquilo e vamos embora.

E fui até o final. 🙂

Veja abaixo o vídeo da minha palestra “As lições que as crianças ensinam e porque os adultos não aprendem” e tire as suas próprias conclusões. 😉

Obs. Esta palestra transformei em artigo, que você poderá ler aqui

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Português que nasceu em Moçambique, foi criado no Brasil, empreendeu em Portugal e agora está de volta ao Brasil para continuar ajudando as pessoas a transformarem o conhecimento em um negócio/produto de valor.

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