A semprerização que emperra a nossa vida

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Nunca fui fã da Legião Urbana, ainda mais com o nome de Eduardo você já consegue imaginar o tanto de “cadê a Mônica?” e piadas (sem graça) afins que era obrigado a aturar na juventude.

Talvez por isso menosprezava ou fazia questão de ignorar a banda, preferindo “ficar em casa lendo Batman e Mad, escutando só Ramones e Motorhead”, como cantava a antiga banda do Thunderbird.

Enfim, isto posto, somente depois de muito tempo é que fui fazer as pazes com a Legião e não só os achei interessantes, como descobri que o Renato Russo escreveu um dos versos mais brilhantes da história – e que resume perfeitamente a vida como ela é:

“Se lembra quando a gente
Chegou um dia acreditar
Que tudo era pra sempre
Sem saber que o pra sempre, sempre acaba”

O curioso é que todo mundo cresce, mas essa semente da semprerização permanece viva em muitos seres humanos por aí afora, independente da educação ou da faixa etária.

Mais curioso ainda é ela continuar dando flores e frutos em pleno século XXI, mesmo estando claro e explicitado que tudo muda o tempo todo (vide empregos & trabalhos )- e cada vez mais rápido.

E, de certa forma, isso acaba gerando uma espécie de bloqueio para as coisas que queremos e/ou que precisamos fazer porque ela já está entranhada na nossa mentalidade.

Quer um exemplo aparentemente bobo e banal?

Quando mudei-me para Portugal, sabe qual foi a pergunta que mais recebi?

– Edu, você está indo de vez PARA SEMPRE?

– Seu eu morrer lá, acho que sim, né? – respondia no melhor estilo eduardiano.

Voltei para o Brasil e sabe qual foi a pergunta que mais recebi – e de pessoas diferentes?

– Voltou de vez? Agora vai ficar aqui PARA SEMPRE?

Pois é, muito mais que uma força de expressão, isto não deixa de ser sim uma forma inconsciente de bloqueio.

Vejamos:

A pessoa sonha com algo do tipo “agora vou pegar minhas economias e abrir uma pousada em Trancoso para ganhar dinheiro e curtir a vida”, por exemplo.

Por mais que ela deseje isto do fundo do coração, sempre bate aquela dúvida (o que é normal, inclusive): será que vai dar certo?

Mas aí chega a semprerização e joga logo um balde água de fria: “será que vou REALMENTE gostar de cuidar de uma pousada em Trancoso pelo restante da minha vida?”

Perceba que esse “realmente” que costumamos usar como freio costuma vir com um “para sempre” embutido.

A dúvida nunca é se queremos de fato, mas se queremos para sempre.

Mesmo que não se trate de um negócio como o do exemplo anterior, mas de coisas mais simples, cotidianas e que não custam um centavo – como começar uma newsletter como esta, por exemplo – também sofrerá do mesmo mal.

“Trabalho com marketing, vou criar uma newsletter sobre marketing, mas será que daqui a 20 anos ainda terei que continuar amarrado à esta escolha que fiz agora?”

E aí, além do medo do julgamento alheio e da falta de organização com relação à correria do dia a dia, o tempo vai passar e a pessoa não vai criar a newsletter porque ficou presa na semprerização de um futuro que, na verdade, ela poderá a mudar a qualquer tempo.

Esqueça o Walt Disney e outros tantos que não só se tornaram imortais, como criaram coisas, leis e personagens que se tornaram imortais.

A grande maioria deles, no momento zero, nunca esteve preocupada se o que estava fazendo iria durar para sempre.

Eles só fizeram o que queriam e/ou o que precisava ser feito naquele momento para ganharem a vida.

Se a grande maioria de nós não teve a sorte de nascer com essa genialidade que eles tiveram (ou fazer o bom uso que eles fizeram), ainda assim dá para seguir o mesmo processo.

Então, pergunte-se:

– O que é de fato importante para a sua vida/carreira?

(e aqui não estamos falando só de dinheiro)

Planeje-se e faça.

A lógica é muito simples e objetiva, mas eu e você já estamos carecas de saber que entre o cérebro, o coração e as mãos há muito mais coisas do que pode imaginar a nossa vã filosofia.

Entretanto, quando o coração consegue abrir o cérebro para essa lógica, você passa a se preocupar com o que é importante para dar o próximo passo da caminhada ao invés de se auto-obrigar a permanecer semprerizado no mesmo caminho.

Até porque muitos dos caminhos nos quais entramos já deixaram de fazer sentido há muito tempo, então por que deveremos permanecer neles até o final?

Num exemplo real e extremo, se o que é importante e que faz sentido agora é estar mais perto do seu pai, que está com câncer e mora em outro país, então você já tem a resposta – independente de como você se visualiza daqui a vinte anos e do caminho que você imaginava trilhar para chegar lá.

Foi o que aconteceu comigo, e o lado bom é que também tive o total apoio da minha esposa, pois morar em outro país era algo que ambos queriam – independente da trabalheira que uma mudança como esta dá – ainda mais com uma filha pequena – e deu muita! 🙂

Para tomar a decisão de voltar foi quase a mesma coisa e, se daqui a um ano tiver que mudar tudo de novo por conta de outra razão forte que faça sentido ou outra oportunidade profissional interessante, lá iremos nós novamente.

Assim como se tiver que cancelar esta newsletter porque não está mais alinhada com os meus objetivos ou não está me dando mais prazer, cancelarei e criarei outra que faça mais sentido – ou então não criarei nenhuma outra.

(Calma, não irei cancelar, foi só um exemplo, tá?)

Enfim, a moral da história é que se algo é importante e/ou que faz sentido, das duas uma: ou pare já de fazer ou então faça o quanto antes sem se preocupar com a semprerização desta sua decisão, pois há vários caminhos para se chegar até onde você almeja.

Se quer mudar de carreira depois de trinta anos, organize-se e mude.

Se quer tentar a vida em outro país, planeje-se e tente.

Se quer aprender mandarim, aprenda.

O que os outros vão dizer?

Tanto faz.

O que importa é o que você irá dizer para si mesmo.

Afinal de contas, muito pior do que tentar fazer algo que você acreditava e cujo resultado ficou abaixo das suas expectativas é arrepender-se por nunca ter tentado.

Até porque o arrependimento é um dos mais perigosos venenos que escolhemos tomar diariamente por livre e espontânea vontade, mas que só daremos conta do real estrago que ele causou em nossa vida quando infelizmente estivermos no leito de morte.

Quando então, impotentes e com lágrimas nos olhos, ouviremos pela última vez a voz do Renato Russo (ou da Cássia Eller) sussurrando baixinho em nossos ouvidos:

“Nem desistir, nem tentar
Agora tanto faz
Estamos indo de volta pra casa”

E iremos.

Para sempre.

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Obs. Fotos que ilustram o texto: 1- Hasan Almasi , 2- Md Mahdi, 3- Yogendra Singh

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Português que nasceu em Moçambique, foi criado no Brasil, empreendeu em Portugal e agora está de volta ao Brasil para continuar ajudando as pessoas a transformarem o conhecimento em um negócio/produto de valor.

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