Nunca fui muito fã de eventos sociais e a minha esposa, quando íamos juntos para algum onde havia pessoas novas, antes de sair de casa puxava sempre o mesmo lembrete:
– É para conversar, hein?
– E eu não converso?
– Você só escuta e quase não fala.
– E isso é ruim?
– Não, mas é um desperdício um sujeito acostumado a falar, que fez palestras e já teve até programa em rádio, ficar quieto como se não tivesse nada a dizer.
– Desperdício para quem?
– Você sabe.
– E alguém até hoje já reclamou de mim?
– Não, pelo contrário, são só elogios.
– E?
– Pois é, não entendo, pois você só faz meia dúzia de perguntas e fica na sua.
– A vida como ela é, né?
– E você não vai dizer: “e eu não fui convidado para dar palestra”?
– Vamos?
Até hoje é assim e esse mantra do “conversa!” vem se repetindo, mesmo ela já tendo assimilando que o meu jeito de ser é uma aplicação sistemática do Shoshin (que só fui descobrir depois) e que isso traz um ganha-ganha para todos.
O que é Shoshin?
Para começo de conversa, o Shoshin é um conceito do zen-budismo que significa “mente de principiante”.
Isto está relacionado à ideia de abandonar os seus conceitos e preconceitos, adotando uma postura aberta para estudar qualquer assunto.
Quando somos um principiante em alguma coisa, a nossa mente está vazia – como uma sala em uma casa recém construída, esperando para receber os primeiros inputs.
Estamos realmente dispostos a aprender considerando todas as informações tal e qual como se voltássemos a ser crianças ao descobrir algo pela primeira vez.
Não há interferências, apenas absorção.
Lembra daquele ditado que diz que “não vemos as coisas como elas são, mas sim como nós somos”?
Isso se justifica porque quanto mais sabemos sobre alguma coisa, maiores serão as chances de acharmos que estamos aprendendo algo novo sobre ela, quando na verdade o nosso cérebro está absorvendo apenas as informações que validem o que já sabemos.
E é aí que mora o perigo, pois poderemos entrar sem perceber no círculo vicioso do não aprender.
Os neurocientistas já descobriram que o nosso cérebro tende sempre a buscar padrões, seja tanto para gastar menos energia quanto para nos proteger.
Quando aprendemos algo, isto vira uma espécie de caixinha, que já ganha um nome e um rótulo.
Com o passar do tempo e algumas experiências que confirmem de forma preliminar o que há ali dentro, ela se transformará numa crença – e esta crença passará a moldar as nossas atitudes e comportamentos.
A caixinha, então, se fechará e tudo o que passará a orbitar à sua volta será relacionado à validação do que está ali dentro.
É a chamada zona de conforto do especialista, ou melhor dizendo, a zona de estagnação, pois como dizia Shunryo Suzuki: “na mente do principiante há muitas possibilidades, mas na mente do especialista há poucas”.
A solução, então, não é abrir a caixa, mas sim quebrá-la.
E, quanto mais caixas conseguirmos quebrar, mais abertos estaremos para recebermos novos inputs – mesmo que alguns deles sejam iguais aos que já estavam lá.
O segredo é que ao recebermos os novos inputs talvez já não sejamos mais os mesmos, e ainda que os inputs tenham sido iguais, nossa percepção poderá ser diferente.
E isso muda tudo.
A vida como ela é
Já virou “normal” nessas rodas de conversas em eventos as pessoas falarem sem parar, muitas vezes inclusive falando umas por cima das outras.
Mas, quando você vai para casa, o que lembra dessas conversas?
Piadas e histórias engraçadas/tristes, reforço ou briga de argumentos sobre determinado assunto e uma pessoa ou outra que a toda hora queria explicar o que ela fez para resolver todos os problemas do mundo.
E o que você, de fato, aprendeu?
Pois é.
Voltando ao caso do especialista, e quando você é um deles na mesa, a tendência natural é que o seu ego o instigue a mostrar para os outros o quanto você é bom naquilo.
Você se sente o máximo, mas talvez ninguém esteja interessado ou preparado para ouvir sobre aquilo daquela maneira.
Quanto mais você fala, mais reforça a sua autoridade naquele campo com aquele grupo, mas em contrapartida menos você escuta e menos ainda você aprende com quem poderia te dar algum insight importante justamente por não ter a caixinha no cérebro totalmente formatada.
E como reaprender com a mente do principiante?
Dê o palco para os outros brilharem.
#1- Ao invés de falar sem parar sobre o assunto que você domina, mude a perspectiva e peça para os outros lhe explicarem mais sobre isto.
Apague já da mente o ditado arrogante “quer ensinar o padre a rezar missa?” e é muito provável que você faça boas descobertas.
#2- Ao invés de tentar impor o seu ponto de vista ou vencer todos os argumentos, entenda o como e o porquê determinada pessoa está pensando assim.
A tal da empatia.
Com estas duas técnicas simples, e estando de fato aberto para receber o que irá chegar, você irá aprender mais e melhor, além de fazer as pessoas com as quais está conversando se sentirem especiais.
Afinal, num mundo onde todos falam e ninguém escuta, ouvir é acolher o outro e mostrar interesse verdadeiro pelo como e o porquê as pessoas pensam ou agem de determinada forma é ouro.
Para você e para o outro.
E, assim, você sempre sairá melhor dos encontros sem necessariamente sair-se melhor, que é o que realmente importa, né? 😉
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Muito bom. Fato é que muitas pessoas dominam essas rodas de conversa, justamente para se sentir pertencente, gerar interesse.
E tens razão, o ouvir abre a nós um mundo novo. Novas ideias.
Por acaso sou da turma do falador e estou mesmo na busca do ouvir. Em verdade escutar, um ouvir com atenção.
Mais um perfeito texto.
Parabéns por trazer sobriedade a um momento tão louco em nossas vidas.
Oi, Alex!
Fico feliz demais por teres gostado e agradeço pelo comentário tão gentil.
Um forte abraço!