Por Eduardo M. R. Lopes
(Se você acha que planejamento, lean startup, inovação e negociação (por exemplo) só se aprende com os gurus pela internet afora, então está na hora de começar a rever os seus conceitos e prestar mais atenção ao que as crianças estão fazendo dentro de casa)
Cheguei em casa e a minha filha de três anos estava brincando quietinha no quarto.
Ao entrar, percebi uma certa organização, pois no chão não havia brinquedos, mas o castelinho de madeira estava montado do lado esquerdo e as bonecas (grandes, médias e pequenas) estavam enfileiradas no lado direito.
Depois de um abraço apertado, começamos a conversar:
Eduardo: Vamos brincar do quê?
Sophia: Festa no castelo!
Eduardo: Ok. E essas bonecas vão todas para o castelo?
Sophia: Sim, mas não agora, papai.
Nesse momento ela me entregou uma peça média de lego retangular e verde, dessas que são usadas para fazer o jardim ou quintal.
Em cima dessa peça maior havia outras peças pequenas, que deduzi que eram as divisões para colocar as bonecas.
A conversa prosseguiu:
Sophia: Você gosta de verde?
Eduardo: Sim.
Sophia: Quantas filhas princesas você tem?
Eduardo: Duas.
Sophia: Elas são grandes, médias ou pequenas?
Eduardo: Pequenas.
Sophia: E quantas malas vocês têm?
Eduardo: Três malas pequenas.
Ela pegou as minhas duas filhas princesas pequenas e as três malas, colocou-as em cima da base verde de lego e, ao ver que tudo se encaixou perfeitamente, abriu um largo sorriso.
Sorri também e perguntei como então iríamos para o castelo.
Ela pegou aqueles pequenos pôneis com as crinas grandes e coloridas, e disse que eles iriam puxar aquela “carruagem” verde onde as bonecas já estavam acomodadas.
Fiz cara de triste e disse que desta forma iria demorar muito para chegar no castelo e poderíamos perder a festa. Além disso, se chovesse elas iriam chegar todas molhadas.
Ela olhou para mim, olhou para a “carruagem” de base verde de lego montada e, em menos de 5 segundos, colocou essa base verde de lado, foi na caixa de brinquedos e pegou uma outra base que tinha rodas grandes e um outro balde transparente de plástico, abriu um largo sorriso e disse:
– Agora vamos rápido e protegidos.
E então começou a me perguntar tudo de novo.
Nesse exato instante caiu a ficha e me dei conta de que, na verdade, não estávamos mais brincando de bonecas, mas sim fazendo um workshop de lean startup!
Não sei dizer se o autor Eric Ries tinha filhos ou se se inspirou neles quando criou esta metodologia, mas o fato é que a minha filha estava seguindo direitinho todo o passo a passo – desde a validação das premissas para montar um produto minimamente viável (MVP), ponderando a satisfação do cliente (eu!) e checando se as necessidades estavam sendo atendidas. E, quando descobriu que uma das premissas não estava sendo atendida (a velocidade), não se fez de rogada e pivotou o negócio; ou seja, abandonou o primeiro modelo e iniciou imediatamente a construção de um novo que atendesse todas as premissas para que seguíssemos em frente.
O problema é que nós fazemos justamente o contrário, pois nos preocupamos em olhar cada vez mais para fora como se fossemos uma espécie de Indiana Jones moderno, que vasculha pela internet afora cursos e gurus em busca do insight perdido, quando na verdade deveríamos olhar mais para dentro – para o que está acontecendo logo ali no quarto ao lado, e começarmos a aprender mais com estes seres fantásticos que são as crianças.
Mas por que é que não conseguimos aprender?
A resposta é simples: porque não estamos prestando atenção.
E por que não estamos prestando atenção?
Por duas razões.
A primeira e principal barreira é a confusão que os pais fazem entre Educar e Ensinar, misturando os dois conceitos e acreditando que no final das contas é tudo a mesma coisa, quando na verdade não é.
Educar tem a ver com a formação do caráter e a construção dos valores para o convívio e o desenvolvimento da sociedade. É expressado através de exemplos e é responsabilidade dos pais, sendo (de uma forma em geral) uma via de mão única.
Já Ensinar é uma via de mão dupla, pois como tem a ver com o intelecto, qualquer um pode ensinar desde que o outro esteja disposto a aprender.
E as crianças ensinam o tempo todo, só que de uma forma diferente, pois elas não ficam de frente para um quadro ou para a câmera explicando o que querem dizer, mas todas as suas ações nos obrigam o tempo todo a melhorar as nossas habilidades conforme vamos lidando com elas.
Quer um exemplo?
Se você acabou de ter um filho e não percebeu um upgrade nas suas habilidades de planejamento, avaliação de cenários e gestão de riscos, por exemplo, então das duas, uma: ou você não está cuidando do seu filho como deveria ou então não está prestando atenção.
A segunda barreira, que é complementar à primeira, é subestimar as crianças.
Quem viu Star Wars vai se lembrar da cara de espanto e incredulidade que o Luke Skywalker fez, após cair com a sua nave no pântano, quando descobriu que o grande e lendário Mestre Jedi de todas as galáxias era o Yoda – aquele ser pequenininho, verde, carequinha e com uma fala engraçada.
Pois é, todos os que são pais também têm em casa um ser pequeninho, não necessariamente verde, mas muitas vezes ainda carequinha e com uma fala engraçada que é um verdadeiro mestre na arte de nos transformar em seres humanos e profissionais melhores, mas infelizmente os próprios pais e os adultos, de uma forma em geral, insistem em não se darem conta.
Na semana passada, inclusive, estava conversando com um amigo, que é vendedor e pai de uma filha de quatro anos, que veio me pedir dicas de cursos voltados para negociação e persuasão.
Olhei para ele e disse: mas você tem frequentado os workshops que a sua filha anda promovendo?
Ele fez a mesma cara do Luke e me mandou passear.
Insisti:
– Sabe aquela manhã em que você já acorda atrasado e, ainda por cima, tem uma apresentação importante para fazer? Então você já se arruma acelerado, porém na hora de colocar o uniforme do colégio na sua filha ela empaca e começa a chorar dizendo que não vai se vestir desta forma porque justamente hoje ela quer ir de pijama? E aí? O que é que você faz?
Deixando a questão da educação e da autoridade de lado, que muitas vezes é necessária para impor limites, mas que não é o foco aqui, se você conseguiu resolver o problema acima convencendo a sua filha a trocar de roupa sem lhe dar um chocolate ou ameaçar colocá-la de castigo, então você já sabe de forma prática o básico sobre negociação e persuasão.
Curioso, né? Mas é a realidade… e a realidade é relativa.
Descobri isto ouvindo a minha esposa conversando com a minha filha, quando a primeira disse que no final de semana era o aniversário do padrinho e a segunda perguntou: qual é o tema da festinha dele? Minha esposa respondeu que a festinha dele não tinha tema, e ela então quis saber mais detalhes sobre como é uma festinha sem tema.
De uma tacada só, duas verdades vieram à tona: a primeira, que a gente vê o mundo como NÓS somos, e a segunda é que a curiosidade é que é a mola mestra que faz o nosso universo expandir-se.
Tudo o que enxergamos está baseado nas nossas referências e, quanto maior for a nossa curiosidade, mais estaremos abertos a novas experiências. E quanto mais experiências tivermos, mais aprendizado teremos. E quanto mais aprendermos, mais descobriremos que nada sabemos e então a curiosidade nos elevará um nível acima dentro deste círculo virtuoso infinito de expansão da mente, pois como dizia aquela frase atribuída ao Einstein: “uma mente que se abre a uma nova ideia jamais voltará ao seu tamanho original”.
Quando conseguirmos quebrar estas duas barreiras na forma como olhamos para as nossas crianças e cruzarmos a fronteira da tríade tradicional do “Amar, Educar e Proteger” para chegarmos no conscientemente “Aprender”, estaremos descobrindo um mundo novo repleto de aprendizados sem precedentes que não só nos transformarão em profissionais e seres humanos melhores, como também em famílias mais fortes e numa sociedade melhor.
E, no final das contas, não é justamente isso que tanto queremos – um mundo melhor para vivermos?
Então comece a prestar mais atenção, pois a resposta pode estar brincando ali no quarto.
Vai lá!
Em tempo I: Esta é a versão original do conteúdo que usei como base para a palestra que fiz no TEDinho – clique aqui para assisti-la no Youtube.
Em tempo III: o TEDinho ocorre dentro do evento Hardwork Papai 3, que é o encontro anual dos alunos do curso do mestre de criatividade Murilo Gun (clique aqui para conhecer o Murilo, clique aqui para ouvir o podcast e clique aqui para conhecer o curso de criatividade)
Em tempo III: A diferença entre Educar e Ensinar foi inspirada no artigo “A escola ensina ou educa?” de Joelza Domingues (clique aqui para ler).
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Edu, Parabéns e obrigado, vou começar a observar os 2 quartos que tenho em casa. Abs!
Obrigado, Fabinho! Você vai ver que será uma experiência fantástica! Grande abraço!
Parabéns Eduardo,tenho prazer em ler seus artigos,você escreve com a alma.
Sempre avante meu rapaz. Bjs
Obrigado, dona Ângela! Grande abraço!