Fiquei gago depois de apontarem uma arma para mim.
Era apenas uma criança inocente, que a mãe tinha levado para dar uma passada rápida pela lanchonete em que o pai era sócio na época.
De repente, bandidos armados até os dentes surgiram e não tiveram o menor pudor em apontar seus revólveres e metralhadoras para nós.
Não lembro quantos eram, mas lembro dos gritos assustadores e do brilho das armas.
Roubaram o que puderam, inclusive a minha voz.
O trauma foi grande e aquele garoto, que já era introvertido, fechou-se ainda mais.
Minha mãe colocou-me numa fonoaudióloga, mas a vergonha e o choro eram tantos que não conseguia nem começar a sessão.
Aí ela teve uma ideia.
Como havia uma banca de jornais em frente ao consultório, ela prometeu que daria a revistinha da Turma da Mônica que eu quisesse – desde que fizesse a sessão até o final.
Aceitei e descobri um novo mundo – o das revistas em quadrinhos – e me perdi nele.
Daí para os livros foi um pulo.
Curado, não gaguejava mais, mas tinha medo que a gagueira voltasse no exato momento em que eu estivesse no centro das atenções.
Como se ela fosse algo que estava adormecido dentro da garganta, esperando apenas o momento certo para voltar e me fazer passar vergonha.
O momento em que a minha máscara iria cair e todos perceberiam que eu não conseguia falar uma frase direito até o final.
E por isso ficava em silêncio.
Mesmo curado, ficava em silêncio.
E me escondia cada vez mais dentro dos livros.
Como a menina introvertida do excepcional livro Eu fico em silêncio (I go quiet) de David Ouimet, recém lançado no Brasil e que ilustra esta reflexão, que conta a história sobre como ela também ficava quieta e se escondia nos livros.
Como eu me escondi, assim como você já pode ter se escondido ou ainda estar escondido.
Os livros – o melhor esconderijo do universo -, que nos transporta para o mundo em que gostaríamos de viver enquanto patinamos inseguros no mundo em que precisamos viver.
Até o dia em que ganhamos um pouco de confiança e percebemos que voar daquelas páginas da imaginação direto para a realidade não é tão impossível assim.
Percebemos que temos asas, que elas são lindas e que são fortes o bastante para nos levarem exatamente até onde acreditamos que conseguiremos chegar.
E que não há ninguém à nossa volta preocupado com o tipo de voo que iremos fazer.
Somos apenas mais um na multidão.
E o que é a multidão senão um conjunto de pessoas “invisíveis”?
Quando entendemos isso, fica mais fácil respirar fundo, abrir as asas e tentar dar o primeiro passo.
Como eu fui dando até virar o orador da turma, fazer shows com uma banda de punk rock, apresentar um programa de rádio, ter dado entrevistas para jornais, rádio e tvs, além de ter feito palestras e dado aulas pelo Brasil afora.
Um passo de cada vez, ainda que o avanço seja minúsculo, mas será sempre um avanço.
Afinal, não há nada dentro do peito ou da garganta esperando o momento certo para sair e nos envergonhar, assim como ninguém nunca, jamais, conseguirá roubar o que há dentro de nós.
Pois o que há lá dentro é uma força descomunal pronta para impulsionar cada um, à sua maneira, para este voo da imaginação direto para a realidade… e além.
No tempo de cada um.
E, partir daí, nunca mais ficaremos em “silêncio”.
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Já não é de hoje que falo dos livros infantis ilustrados como ferramenta para abrir a cabeça, o coração e ajudar a destravar as portas da criatividade.
Principalmente quando o escritor também é o ilustrador (e vice-versa), como é o caso do talentoso David Ouimet, que criou esta belíssima obra-prima que é Eu fico em silêncio (I go quiet).
Envolvente, lindo e impactante do início ao fim, já é um dos meus livros preferidos em todos os tempos para sempre.
Ficou curioso? Então, veja:
– Clique aqui para ver, em 4 minutos, o livro completo com uma narração emocionante (em inglês), que está no canal oficial do autor/ilustrador no Youtube;
– Clique aqui para ver, em 2 minutos, o incrível trabalho de ilustração feito por ele no computador.
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