Lá estou entrando no parque, molhado de chuva da cabeça ao pés, enquanto o vento frio da primeira manhã cinzenta de outono gela a minha espinha.
Pergunto e praguejo pela milésima vez: o que raios estou fazendo aqui?
Até que me convenço: hoje não dá, né?
Viro-me para a saída e vejo um sujeito chegando de carro.
Ele estaciona, sai de camiseta, short e tênis, em 5 segundos está encharcado de chuva como eu, e em mais 15 segundos já está na pista de corrida.
E desapareceu no meio da chuva.
Então me peguei imaginando a mão de obra que dá para esse sujeito vir aqui correr, ainda mais num dia como este.
Quando terminar vai ser aquela chatice para se secar, trocar de roupa (será que ainda rola um banho?) e, possivelmente, tomar mais um pouco de chuva na cabeça antes de entrar no carro, pegar trânsito e seguir a sua vida.
E eu?
Nem isso.
Seco ou molhado, chego em casa caminhando em menos de dez minutos, deixo o tênis na porta e já estou embaixo do chuveiro.
Stress zero.
Ah, mas se fosse um dia de sol era masi fácil, sim era, mas para ele, que veio aqui logo hoje, e com essa chuva toda, certamente tanto faz.
E tanto faz porque esse sujeito tem um objetivo.
Qual?
Não faço ideia.
Mas com certeza é muito mais forte que o meu, que já estava voltando para casa, convencido de que aquilo tinha sido uma bobagem e que era melhor mesmo deixar para o dia seguinte.
Afinal, moro ao lado do parque, né?
Pois é.
Mas não, não dá para deixar para o dia seguinte.
Exceto por contusão ou algum compromisso profissional, naquele momento tive a clareza que não há nada que justifique a minha ausência naquela pista de corrida num dos três dias que defini que são os dias da corrida.
Se o objetivo para manter a forma contempla estas atividades, então é desse jeito que tem que ser e PONTO.
É assim que funciona no esporte, no trabalho e na vida.
Enquanto não formos a nossa própria prioridade e insistirmos em sabotar as coisas que nós mesmos decidimos fazer, acabaremos por não conseguir fazer nada.
Até porque o nosso cérebro é malandro e insaciável – quanto mais cedermos, mais ele nos convencerá a ceder.
E, tolos que somos, cederemos.
E nos culparemos.
E sofreremos.
O outro sujeito tinha todas as desculpas do mundo para não ter ido treinar com aquela chuva toda, mas ele estava lá todo pimpão.
E eu vi.
E me virei.
E corri aqueles cinco km como se não houvesse amanhã para tentar chegar perto dele e lhe dizer “obrigado”, mas não o encontrei.
Assim como também não encontrei mais o seu carro no estacionamento.
Mas encontrei, dentro de mim, mais um pacotinho de sonrisal “sabor desculpas” para a consciência.
E joguei fora.