“Os filhos não deixam”, disse-me um profissional angustiado que não estava conseguindo dar conta do seu projeto paralelo – e logo nesta semana de dia dos Pais.
Pode até parecer estranho para quem não tem filhos, mas isto é uma desculpa/problema relativamente comum para quem tem.
E o primeiro passo para resolver não só esta situação, como quase todas as outras que surgem em nossas vidas, passa justamente pela aceitação.
Não brigue com a realidade, aceite-a.
Somente quando a aceitamos de coração aberto é que começaremos a ter (ou buscar pela) clareza para começar a resolver.
Seus filhos “não deixam” fazer o seu projeto? Logo, dentro desta lógica, eles são um problema.
O primeiro passo, então, é resolver ou amenizar da melhor forma possível esse problema.
Mas o que é que os pais estressados e “sem-tempo-irmão” costumam fazer?
Não aceitar esta realidade (que são pais) e tentar seguir a vida como se nada estivesse acontecendo, só que isto acabará por se transformar num elefante gigantesco que passará a morar dentro de casa.
E é por isso que eles não conseguem dar conta dos seus outros projetos e têm essa sensação de que “os filhos não deixam”.
Afinal, quem consegue focar em algo com um elefante bramindo desesperadamente nos seus ouvidos?
(lembra deste artigo: O elefante no meio da sala ?)
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Para continuar a conversa, agora entrando bem fundo na questão da paternidade, resgatarei uma carta que escrevi de para um colega que passava pela mesma situação do profissional lá de cima – e pela qual já passei também – compartilhando a minha experiência na época com o nascimento da minha filha e o que fiz para superar esses “problemas”.
Como você já percebeu, ser pai é o nível extra-hard da aceitação.
Temos que ter a plena consciência e aceitar de peito aberto o fato de que criar os filhos e educá-los é uma das tarefas mais difíceis que há neste mundo.
Ponto.
E, quando digo aceitarmos, não quero dizer que tenhamos que bater palmas para todas as atitudes dos filhos, pois aí estaremos deseducando e criando monstros mimados, como já há tantos por aí e não precisamos prestar este desserviço à humanidade.
O seu relato de dificuldade, como já ouvi tantos de outros pais, foi exatamente o mesmo que vivi: o casal em terra estrangeira, longe da família e sem ninguém do círculo íntimo de amizades para apoiar com o que quer que fosse.
E ainda tivemos um outro agravante: minha filha nasceu com um grave problema de refluxo, o que nos obrigava a ficar em pé com ela no colo por 20 minutos após CADA mamada.
Como os bebês mamam em média a cada 3 horas (seja dia ou seja noite), você já pode imaginar o tamanho do desgaste que foi viver por mais de um ano levantando 3 ou 4 vezes durante TODAS as noites para fazer este ritual.
E isso, é claro, num “dia normal”, pois ainda havia as sessões de vômitos (quase sempre de madrugada) que nos obrigava a limpar o chão, trocar as roupas e dar banho (nela e na gente), além de outros pernoites no hospital.
Bem que diziam que as noites de sono jamais seriam iguais, mas também não precisava exagerar, né?
Eu, que até então precisava dormir bastante para recuperar as energias e ter forças para enfrentar mais um novo dia de trabalho, após o primeiro mês com essa nova rotina achava que não iria durar mais um mês na empresa, pois me sentia tal e qual um verdadeiro zumbi, com as olheiras cada vez mais fundas e com a bateria do meu corpo arriando cada vez mais cedo.
Foi aí que comecei a perceber mais claramente o conflito interno que havia dentro da minha cabeça, mais precisamente entre a vida que a gente gostaria de viver e a vida que de fato estávamos vivendo.
Entre o que era importante fazer e o que era importante fazer AGORA.
E, então, a ficha caiu.
A vida que a gente gostaria de viver não poderia ser vivida AGORA porque agora havia uma nova realidade que precisava ser “resolvida” – afinal, não fomos nós que queríamos ter uma filha?
Foi difícil, emocionalmente e fisicamente desgastante para caramba, mas o fato é que sobrevivemos durante quase três anos nesse ritmo (com outras novas variáveis que foram aparecendo no caminho) e hoje, felizmente, conseguimos dar risadas ao recordar tudo o que aconteceu.
Mas e quanto aos projetos paralelos que estávamos construindo?
Essa também é a sua angústia, pois você está com tantos projetos bacanas que estão começando a deslanchar e tomando cada vez mais tempo, mas o problema é que no início somos apenas um só e aí temos que priorizar.
E priorizar, como você bem sabe, é abrir mão momentaneamente de algumas coisas para focarmos em outra.
E eu abri mão momentaneamente para resolver aquele “problema”.
Naquele momento a minha prioridade passou a ser o bem estar da minha filha (e da minha esposa por tabela), pois quanto mais rápido ela ficasse boa, mais forte ficaria a nossa harmonia em casa e mais rápido poderíamos, então, retomar os nossos projetos.
Com esta clareza da situação, todos os projetos que não estavam relacionados com este foco principal acabaram indo para a gaveta.
Parece simples (e é), mas isto é uma mudança violenta de mentalidade.
Vamos pegar por exemplo o livro que agora* estou acabando de escrever.
(*era este aqui, que já foi lançado)
Se antes me programava para escrever um capítulo durante a noite na segunda-feira e a minha filha necessitasse de atenção especial além do normal, ou ainda era o início de uma longa birra justamente naquela noite, então costumava ficar irritado porque “ela não me deixava escrever o livro”.
E isso angustia além da conta, gera uma grande frustração pessoal e também atrito entre o casal, além de uma certa culpa justamente com quem não tem nada a ver com a história, pois a criança ainda é um ser em formação e quem forma somos nós – o pai e a mãe.
Mas se a prioridade era ela e resolver aquela situação, meu objetivo para quando chegasse em casa então era estar preparado para mais uma longa noite de vigília e para as eventuais birras, que era o “worst-case scenario”.
Se tudo desse certo, ela estivesse bem e começasse a dormir tranquila, aí sim é que me dedicaria a escrever mais um capítulo.
Essa mudança de mentalidade e de atitude foram libertadoras, pois aprendi como nunca a valorizar o tempo, aprendi novas técnicas para acelerar o que podia quando tudo “desse certo”, e me senti grato também quando tudo dava errado, pois era o momento que tinha para aprender (tanto com ela quanto com a minha esposa) o que precisava ser aprendido.
É certo que com dois filhos tudo é duas vezes mais difícil, mas volte a ficar de peito aberto para encarar essa nova realidade da mesma forma que estava quando nasceu a primeira, e não se culpe de forma alguma se isto está “atrapalhando” os seus projetos – muito pelo contrário.
Daqui a mais algum tempo você vai ver que esta nova fase só serviu para enriquecê-los ainda mais e, mesmo que agora eles precisem andar num ritmo mais lento (mas que continuem andando), o ponto principal é que você também terá crescido de forma exponencial sem ainda se dar conta.
E quando você cresce e se fortalece em cima de uma base sólida como é a sua família, todos ganham, todos vivem mais felizes e os objetivos são conquistados com muito mais determinação.
Não se culpe, apenas observe sobre uma nova perspectiva e você vai ver que as peças desse novo quebra-cabeça apenas se encaixam de uma forma diferente, mas acredite em mim: elas se encaixam, ok? 😉
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Para fechar, vamos falar de livros, né?
Listei abaixo os 5 livros (não óbvios) que mais gostei de ter lido como pai e que, de várias formas, ajudaram a abrir grandes horizontes que me permitiram evoluir como ser humano.
E, se você tiver alguma dica, fique à vontade para escrever nos comentários! 😉
1- Kafka e a boneca viajante – Jordi Sierra i Fabra
Este faz parte da lista dos 10 melhores livros (que li) de todos os tempos para sempre.
Aliás, para quem acompanhou a série de cartinhas As cartas da boneca que escrevi para a minha filha, já sabe do que se trata.
Coincidências à parte, este livro ESPETACULAR é a recriação da história de quando o grande escritor Franz Kafka encontrou uma menina num parque e ela estava chorando porque havia perdido sua boneca.
Comovido, ele então inventou a história de que era um carteiro de bonecas e que aquela boneca “na verdade” havia feito uma viagem.
Ele passou a escrever todos os dias uma cartinha, como se fosse a própria boneca, e a entregava para alegrar o dia da menina.
Infelizmente, Kafka morreria logo depois deste episódio e as cartinhas originais nunca foram encontradas.
Entretanto, isto foi o suficiente para que o Jordi Sierra i Fabra recriasse com maestria não só a história, mas também o que seria o conteúdo das cartas, fazendo deste um livro absolutamente lindo, emocionamente e que, provavelmente, é o melhor livro que um pai de menina irá ler na vida.
2- A educação dos sentidos – Rubem Alves
Muito mais que um mestre na arte da escrita, Rubem Alves foi um grande educador.
Inclusive, pode até nem ter sido considerado o maior que já passou por estas terras, mas com certeza foi o que melhor soube traduzir todo esse arcabouço técnico e filosófico em palavras que qualquer um entende e se apaixona.
Todo livro dele é (no mínimo) bom, mas destaco este aqui justamente por ser um convite para repensarmos a educação como um todo (professores “formais” e pais/mães) e também o próprio jeito como somos para que consigamos conviver, orientar e (também) aprender com as crianças/filhos.
Afinal, como ele já questiona logo no início: “… o professor tem de se perguntar: isso é ferramenta para quê? De que forma pode ser usado? Em que aumenta a competência dos meus alunos para viver a sua vida? Se não houver resposta, pode-se estar certo de uma coisa: ferramenta não é”.
Pois é! 😉
3- Não era você que eu esperava – Fabien Toulmé
Da negação e raiva até a aceitação e o amor, este livro ilustrado e autobiográfico narra com incrível sinceridade as fases de descoberta, nascimento e início da infância da filha portadora da Síndrome de Down.
O autor francês, inclusive, morou no Brasil e a sua primeira filha nasceu aqui, mas na gravidez da segunda filha optou por voltar para a França.
Um livro tocante, que é muito duro em vários momentos, porém emocionante e fundamental não só para os pais que possuem filhos especiais, mas principalmente para os que não tem.
4- Abrace seu filho – Thiago Queiroz
O Thiago Queiroz vem fazendo há muito tempo um ótimo trabalho no seu blog Paizinho Vírgula, que é um dos meus favoritos.
Aqui ele nos conta como a disciplina positiva e o amor mudaram totalmente a sua forma de se relacionar com os filhos, e também como ela poderá te ajudar (como me ajudou bastante) a ser um pai melhor (dentro das suas possibilidades) e muito mais presente.
Um livro que recomendo fazer parte da “leitura básica” para qualquer pai – independente da idade dos filhos.
5- Papai Punk – Jim Lindberg
E encerramos com um dos meus preferidos do tipo “a vida como ela é”.
Aqui o vocalista do Pennywise conta a (sua) história de um sujeito rebelde, que montou uma banda de punk rock e que passou a vida inteira fomentando essa rebeldia nos shows e em suas músicas (“Fuck Authority” é uma delas) pelo mundo afora, mas que nos últimos anos tem tido que administrar em casa a (adivinha?) rebeldia das suas TRÊS filhas.
Fácil, né?
E é exatamente como está na contracapa: “Um relato sincero e divertido. Para ler ouvindo Ramones e esquentando a mamadeira do bebê”.
Hey! Ho! Let´s go! 🙂