Por Eduardo M. R. Lopes
A pandemia está mudando o mundo, as relações e o trabalho.
No dia 13/3 a minha filha já estava em casa iniciando as aulas online, no dia 17 tive que fechar a empresa e no dia 18 foi decretado o estado de emergência em Portugal.
Se antes da crise o meu foco era a expansão da empresa para se beneficiar do turismo com chegada do verão, hoje o foco é a reinvenção.
E aqui trago cinco reflexões sobre estes primeiros trinta dias trabalhando e vivendo em quarentena.
1– O home office’ (linha) poderá ser o novo normal
O meu primeiro emprego, em 1999 na Esso, já era no modelo home office e, de lá para cá, passei por outras empresas alternando várias vezes este modelo com a vida no escritório.
Porém, esse novo home office que vivenciamos hoje é bem diferente – e chamarei de home office’ (linha), até mesmo porque não tínhamos que dividir o mesmo computador (em muitos casos) e o espaço com os seus filhos durante o horário escolar.
E, quem trabalhava em escritório, de repente teve que arranjar um computador, ir para casa a toque de caixa e, se tiver filhos, cair no mesmo desafio do exemplo anterior.
Não é fácil e não está fácil, pois num primeiro momento o que era o principal benefício do clássico modelo de home office – o foco necessário para produzir tudo o que você poderia – ficou comprometido.
Entretanto, caso a pandemia se alastre por mais tempo e as escolas continuem fechadas, esse novo home office’ poderá ser o novo normal ainda por um bom tempo.
E aí, além do desafio tecnológico para viabilizar e facilitar tanto o trabalho quanto o aprendizado simultâneo, há uma questão ainda mais importante por trás que é justamente a organização do dia a dia da família.
Dependendo da quantidade de filhos e da idade deles, poderá ser mais fácil ou mais difícil num primeiro momento, mas acredito que o fio condutor para esta transição passe pelo estabelecimento de uma nova rotina.
2– Criar uma rotina é questão de sobrevivência
Neste cenário onde pais e filhos trabalham e estudam “juntos”, muitas vezes dividindo o mesmo computador e a mesma sala, o rápido estabelecimento de uma nova rotina parece ser a diferença entre a sanidade e o caos.
E a necessidade, na maioria das vezes, é a mãe das descobertas.
Assim que foi anunciada a paralisação das aulas, no dia seguinte (uma sexta-feira 13), a escola da minha filha já estava com tudo organizado e foi uma das primeiras a iniciar as aulas efetivamente no modelo online.
O problema era que, mesmo com todos os horários dela organizados, precisávamos nos revezar para estar ao lado dela praticamente o dia inteiro – tanto no computador como nas tarefas offline.
Isso é muito bacana, pois acompanhamos em tempo real o aprendizado escolar, mas passamos a ficar desorganizados com o nosso tempo e protelar as nossas atividades.
E isso passou a gerar mais estresse.
Entretanto, como a prioridade era adaptá-la, fomos em frente até que finalmente ela se sentiu confiante para ficar sozinha online nas aulas, desligando o computador e fazendo as tarefas offline do dia, nos chamando com demandas pontuais.
A partir daí, estava claro que era fundamental criarmos uma nova rotina para os três a partir do ajuste da rotina dela, e começamos a nos adequar até que chegaram as férias de Páscoa.
Em Portugal, as escolas param por duas semanas para as férias de Páscoa e, ao invés de dar férias para ela e quebrar o início desta nova rotina, optamos por não parar.
Pegamos algumas atividades sugeridas pela escola, criamos outras para que a agenda diária dela continuasse coberta e colocamos tudo num quadro.
E tem funcionado, pois desde então temos conseguido criar tempo para nos dedicar às nossas atividades, enquanto minha filha também mantém a sua rotina de atividades e aprendizados.
Nem todo dia tudo corre às mil maravilhas, é verdade, mas já foi um avanço e um tremendo ganha-ganha para a família enquanto estivermos nesse home office’.
3– A fartura de lives e cursos aumentam o estresse, mas não necessariamente o aprendizado
Você abre o Linkedin e lá vem aquela cachoeira de lives imperdíveis e cursos gratuitos que você precisa fazer para ontem.
Com quase tudo fechado, o quê e quem não estava no digital passou a emular o seu mundo offline dentro do formato digital e as ofertas estão crescendo exponencialmente.
Sim, há ótimas lives por aí, assim como há muitas outras lives de uma hora que poderiam ter sido um stories de 1 minuto.
O mesmo para os cursos gratuitos, onde muitos que são bons já eram oferecidos bem antes desta pandemia, e outros tantos caça-cliques que vieram no rastro para tentarem surfar nesta onda.
O problema não é a oferta e nem a quantidade, mas sim o fato de que agora você está em casa com mais tempo e disposição para ser inundado por esse mar sem fim.
E aí cresce o sentimento de urgência em se matricular e participar da maior quantidade possível para sair desta crise mais qualificado.
Mas, espera aí: mais qualificado? De verdade?
Você conseguiu mesmo dar conta das suas atividades e ainda reter de fato as informações dos cinco cursos e das dez lives a que você assistiu na última semana no seu home office’?
Se conseguiu, parabéns (de verdade!), pois chegou ao nível Cristiano Ronaldo de concentração, organização e produtividade, transformando-se num ser humano verdadeiramente diferenciado.
Entretanto, a grande maioria só criou novos problemas dos quais não precisava, não assimilando o que deveria, perdendo um tempo precioso e, o que é pior, elevando ainda mais o nível de estresse e ansiedade neste novo cenário. O mais sensato é respirar fundo e focar nos cursos que já estavam no seu planejamento, com direito a uma ou outra live que faça sentido, sem prejudicar a sua sanidade.
4– Menos é mais e a valorização do essencial
Dentro dessa nova rotina provocada pelo isolamento, começamos a dar valor a alguns aspectos da vida que eram tão naturais e essenciais que nem percebíamos, como a liberdade de ir e vir.
E essa falta de liberdade impactou diretamente os nos nossos hábitos de consumo, pois diante deste cenário de alta incerteza, passamos a consumir o estritamente necessário.
Passamos a nos questionar mais sobre a forma e o uso que estávamos fazendo do nosso dinheiro.
Passamos a nos questionar mais sobre os locais que frequentávamos e o uso que fazíamos do nosso tempo livre.
Passamos a nos questionar mais e a valorizar mais as relações pessoais.
E assim estamos redescobrindo o que é, de fato, essencial – seja aquele mínimo para a nossa sobrevivência sadia; seja aquele que é invisível aos olhos, como já nos ensinava a raposa do Pequeno Príncipe.
E isso seguirá norteando as nossas mudanças internas daqui para frente.
5– A importância de criar boas memórias afetivas em família
Seja sincero: quando você era pequeno, não soltava fogos quando não tinha que ir para escola?
Pois, então, nossos filhos estão nessa fase.
E não importa muito se a rotina já está ajustada ou se as aulas online estão funcionando perfeitamente.
O simples fato de não irem pra escola e poder voltarem para os brinquedos assim que acabam as tarefas é motivo de alegria.
Então, mais do que nunca, como pais precisamos estar presentes e exercitarmos a empatia na sua plenitude.
Não é fácil, principalmente num home office’ conforme já comentei lá atrás, mas é fundamental.
Se para nós tudo isso é um caos que não sabemos quando e nem como vai terminar, para muitos deles esta fase está sendo o máximo.
No futuro, ele se lembrarão disso como um tempo em que todos estavam em casa salvando o mundo, em que as refeições eram feitas em família todos os dias, em que pais e filhos “trabalhavam” juntos, e que os pais nunca estiveram tanto tempo do dia tão próximos dos filhos.
Tenha em conta também que, no pior cenário, esse tal futuro poderá ser, na verdade, uma cópia melhorada deste nosso presente.
E, mesmo que você ainda não tenha parado para pensar nisso, é hora de esforçar-se para criar, desde já, boas memórias afetivas desse período.
Até mesmo porque, quando tudo finalmente der certo, esta será a nova base sobre a qual a família continuará a ser construída.
Junte-se a nós!
Insira o seu e-mail abaixo para receber gratuitamente novos artigos!